A inflação segue como um dos principais vilões do cotidiano do brasileiro, provocando mudanças profundas nos hábitos de consumo e impactando diretamente a segurança alimentar das famílias, especialmente as de baixa renda. É o que revela uma nova pesquisa do Instituto Datafolha, realizada entre os dias 1º e 3 de abril com 3.054 pessoas em 172 municípios do país.
Segundo o levantamento, 58% dos brasileiros afirmam ter reduzido a quantidade de alimentos que costumam comprar por conta da alta nos preços. O impacto é ainda mais acentuado entre os mais pobres: entre os que vivem com renda de até dois salários mínimos, esse índice sobe para 67%, revelando a severidade da crise alimentar vivida por uma parte significativa da população.
Redução de consumo e novos hábitos
A pesquisa mostra que 8 em cada 10 brasileiros mudaram hábitos para driblar a inflação. Comer fora de casa se tornou um luxo para muitos: 61% disseram que passaram a sair menos para restaurantes ou lanchonetes. O café, bebida símbolo da mesa brasileira, também não escapou. Metade dos entrevistados substituiu a marca por uma mais barata e 49% reduziram o consumo da bebida.


A inflação também afetou outros setores da vida cotidiana. 50% da população diminuiu o consumo de água, luz e gás, numa tentativa de conter gastos domésticos. Além disso, 47% procuraram outra fonte de renda para equilibrar o orçamento. Em situações mais extremas, 36% reduziram a compra de remédios, 32% deixaram de pagar dívidas e 26% não conseguiram pagar contas básicas de casa, como luz, água ou aluguel.

Essas estratégias de sobrevivência econômica revelam um país onde a inflação deixou de ser apenas um número nos noticiários e se tornou uma realidade concreta na vida das pessoas.
Segurança alimentar ameaçada
Outro dado alarmante da pesquisa aponta que um quarto da população afirma ter menos comida do que o suficiente em casa. Para 60%, a quantidade é considerada suficiente, enquanto 13% dizem ter mais do que precisam. Esses números se mantêm estáveis em relação ao levantamento de março de 2023, mas continuam revelando um quadro preocupante de insegurança alimentar para milhões de brasileiros.
A insegurança alimentar não é um fenômeno recente no Brasil, mas tem se intensificado diante de um cenário econômico instável, marcado por alta nos preços de alimentos essenciais e dificuldades estruturais na distribuição de renda.
Alta nos alimentos e responsabilidade do governo
A pesquisa Datafolha também aborda a percepção da população sobre as causas da inflação, em especial a alta nos preços dos alimentos. Para 54% dos brasileiros, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem muita responsabilidade sobre a escalada dos preços. Outros 29% atribuem alguma culpa, e apenas 14% acreditam que o governo não tem nenhuma responsabilidade.
Até mesmo entre os eleitores do presidente há uma percepção de culpa: 72% dos que dizem que pretendem votar em Lula reconhecem que o governo tem, ao menos em parte, responsabilidade pelo encarecimento dos alimentos.
Apesar de o governo ter adotado medidas como a isenção de imposto de importação para alguns produtos, os efeitos práticos ainda são tímidos. A avaliação positiva do governo subiu ligeiramente desde dezembro, passando de 24% para 29%, mas segue abaixo da taxa de reprovação, que chegou a 38%.
Fatores externos e clima também influenciam
O Datafolha questionou os entrevistados sobre as causas da alta de preços, além da atuação do governo. A crise climática, as guerras internacionais, os problemas econômicos dos Estados Unidos e a atuação dos produtores rurais foram incluídos como fatores. Ainda assim, o Planalto foi apontado como o principal responsável.
Entre os mais pobres, produtores rurais e governo dividem a culpa quase igualmente: 55% responsabilizam o governo Lula, enquanto 54% culpam os produtores. Já entre os que ganham mais de dez salários mínimos, apenas 41% responsabilizam os produtores.
Essa percepção é acompanhada de forma diferente dependendo da inclinação política do entrevistado. Eleitores de nomes como Romeu Zema (Novo) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) foram os que mais atribuíram responsabilidade ao atual governo (78% e 77%, respectivamente). Já entre os eleitores de Lula, a maior culpa recai sobre os produtores rurais (57%) e as guerras no mundo (55%).
Inflação real nas prateleiras
Dados do IBGE reforçam os impactos da inflação percebidos pela população. No acumulado de 12 meses até março, a inflação foi de 5,48%, com alta de 0,56% no mês, puxada principalmente por alimentos e bebidas, que subiram 1,17% em março — uma aceleração frente aos 0,70% de fevereiro.
Alguns produtos chamam atenção pela disparada nos preços. O tomate subiu 22,55% em março, o ovo de galinha, 13,13%, e o café moído, 8,14%. No acumulado de 12 meses, o café chega a uma impressionante alta de 77,78%.
Especialistas apontam uma combinação de fatores para essas variações, como problemas climáticos, aumento da demanda interna, exportações maiores e até epidemias em outros países — como a gripe aviária nos EUA, que elevou a procura por ovos brasileiros.
Percepção de piora na economia cresce
Refletindo todas essas dificuldades, a percepção negativa da economia também aumentou. Segundo o Datafolha, 55% dos brasileiros acham que a economia piorou nos últimos meses, um aumento de 10 pontos percentuais desde o fim de 2024. É a primeira vez no terceiro mandato de Lula que essa avaliação negativa supera a maioria dos entrevistados.
Essa sensação generalizada de piora, somada à dificuldade de manter padrões mínimos de consumo, como a alimentação, forma um retrato preocupante de um país em que a inflação não apenas afeta o bolso, mas também impõe escolhas difíceis entre o essencial e o urgente. E para muitos, o prato vazio fala mais alto do que qualquer discurso político ou técnico.