A poluição do ar é uma das maiores ameaças à saúde pública global, sendo responsável por milhões de mortes prematuras anualmente. No Brasil, os desafios relacionados à qualidade do ar são significativos, e as políticas públicas para mitigá-los ainda precisam de avanços substanciais. A pesquisa intitulada Qualidade do ar em alerta, realizada pelo Instituto Alana e o Instituto Ar, destaca a necessidade urgente de o Brasil adotar medidas mais rigorosas e eficazes para proteger a saúde da população durante episódios críticos de poluição do ar.
Contexto Internacional e Comparações
O estudo analisou casos de poluição do ar e as respostas institucionais em oito países: Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos, México, Espanha, França e Inglaterra. A pesquisa revela que o Brasil, junto com o Equador, tem vivenciado os episódios mais críticos de poluição do ar na América Latina. Em particular, episódios de queimadas na Amazônia elevam os níveis de material particulado em cidades como Manaus a níveis alarmantes. Em novembro do ano passado, por exemplo, Manaus registrou uma concentração de material particulado de 400 microgramas por metro cúbico (µg/m3), muito acima do limite de 45 µg/m3 recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Padrões de Qualidade do Ar no Brasil
O Brasil adota padrões de qualidade do ar estabelecidos pela Resolução Conama nº 003/1990, que já possui mais de 30 anos de vigência e está desatualizada em relação às diretrizes atuais da OMS. Estes padrões são considerados excessivamente permissivos, permitindo concentrações de poluentes no ar até três vezes maiores do que as recomendadas internacionalmente. A ausência de atualização desses padrões coloca em risco a saúde de milhões de brasileiros, especialmente em áreas urbanas densamente povoadas e regiões afetadas por queimadas.
A Resolução 506/2024 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) trouxe uma atualização esperada dos padrões nacionais de qualidade do ar. Essa resolução alinha gradualmente os padrões brasileiros aos recomendados pela OMS, mas o processo completo de adequação só está previsto para 2044, um prazo que muitos especialistas consideram excessivamente longo dado a gravidade dos impactos da poluição do ar na saúde pública.
Planos de Ação e Respostas Emergenciais
Uma das principais críticas apontadas pelo estudo refere-se à falta de planos de ação claros e bem estabelecidos para lidar com episódios críticos de poluição do ar. Em países como França, Espanha e Estados Unidos, há protocolos rigorosos que são ativados automaticamente quando os níveis de poluição ultrapassam determinados limites. Estes protocolos incluem desde a restrição da circulação de veículos em áreas urbanas até a interrupção temporária de atividades industriais. Além disso, em situações extremas, medidas como a gratuidade do transporte público e a suspensão de aulas são adotadas para proteger a saúde da população mais vulnerável.
No Brasil, por outro lado, a resposta a episódios críticos de poluição do ar ainda é insuficiente. As medidas existentes são fragmentadas e variam entre os estados e municípios, muitas vezes sem uma coordenação eficaz. A falta de um plano de ação nacional padronizado para lidar com esses episódios é um dos maiores desafios apontados pelo estudo.
Impactos na Saúde Pública
A exposição prolongada à poluição do ar tem consequências graves para a saúde, incluindo doenças respiratórias, cardiovasculares e até mesmo câncer. Crianças, idosos e pessoas com condições de saúde preexistentes são os mais vulneráveis. No Brasil, as queimadas na Amazônia e o tráfego intenso de veículos em grandes centros urbanos são as principais fontes de poluentes atmosféricos, que incluem material particulado fino (PM2.5), dióxido de nitrogênio (NO2) e dióxido de enxofre (SO2).
Em episódios críticos de poluição, como os registrados em Manaus, os níveis de material particulado no ar podem alcançar valores extremamente perigosos, levando a um aumento nas internações hospitalares e até mortes prematuras. Em São Paulo, por exemplo, estudos demonstram uma correlação direta entre picos de poluição e aumentos nas admissões hospitalares por doenças respiratórias e cardiovasculares. Estes dados sublinham a necessidade urgente de implementar medidas preventivas e de resposta eficazes para proteger a saúde pública.
Desafios e Oportunidades para o Futuro
O Brasil possui uma diversidade geográfica e climática que torna a questão da poluição do ar um desafio multifacetado. As causas e os impactos da poluição variam significativamente entre as regiões, exigindo soluções específicas e adaptadas às realidades locais. No entanto, a falta de uma política nacional de qualidade do ar eficaz impede uma resposta coordenada e eficiente.
A criação da Política Nacional de Qualidade do Ar em maio de 2024 é um passo positivo na direção certa, mas sua implementação requer compromisso político e recursos adequados. Um dos pontos mais críticos é a definição de níveis críticos de poluição e a elaboração de planos de ação que sejam aplicáveis em todo o território nacional, respeitando as particularidades regionais.
Além disso, o Brasil precisa adotar tecnologias mais limpas e incentivar práticas sustentáveis tanto na indústria quanto no transporte. O incentivo à mobilidade urbana sustentável, como o uso de bicicletas e transporte público de baixo impacto ambiental, pode reduzir significativamente as emissões de poluentes. A promoção de fontes de energia renovável também é crucial para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, que são uma das principais fontes de poluição do ar.
Educação e Conscientização
Para que as políticas públicas sejam efetivas, é necessário que a população compreenda a importância da qualidade do ar e adote práticas que contribuam para sua melhoria. Campanhas de conscientização e educação ambiental são fundamentais para informar a população sobre os riscos da poluição do ar e as formas de mitigá-los.
A adaptação às mudanças climáticas e à poluição do ar deve ser encarada como um esforço coletivo. Em situações de alta poluição, medidas simples como o uso de máscaras e a permanência em ambientes fechados podem reduzir a exposição aos poluentes. No entanto, soluções a longo prazo devem focar na prevenção, através de políticas públicas robustas e de uma mudança cultural em relação ao uso dos recursos naturais e à produção de energia.
O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer na proteção da saúde pública contra os efeitos da poluição do ar. Embora a atualização dos padrões de qualidade do ar e a criação da Política Nacional de Qualidade do Ar sejam avanços importantes, é necessário acelerar a implementação dessas medidas e garantir que sejam eficazes em todo o território nacional. A saúde da população e a proteção do meio ambiente dependem de ações coordenadas e de longo prazo, que envolvam governos, setor privado e sociedade civil. A adoção de práticas sustentáveis e a conscientização da população são essenciais para reduzir os impactos da poluição do ar e garantir um futuro mais saudável para todos os brasileiros.