Um esquema de fraude envolvendo a venda ilegal de passagens de transporte público na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília, está causando um rombo anual de R$ 162 milhões aos cofres públicos. A ação criminosa, que já se tornou rotineira no terminal, é liderada por grupos de “valeiros” que compram cartões de transporte de passageiros e os revendem a preços mais baixos, desviando recursos que deveriam ser investidos na melhoria do sistema de mobilidade urbana da capital federal.
A reportagem do Correio Braziliense flagrou a atuação escancarada desses criminosos, que se aproveitam do fluxo diário de mais de 700 mil pessoas na Rodoviária do Plano Piloto. Com crachás falsos e dezenas de cartões presos a ligas de plástico, os “valeiros” abordam passageiros nas filas de ônibus, oferecendo passagens com descontos. A prática, aparentemente inofensiva, esconde um esquema organizado que prejudica tanto o sistema de transporte quanto os usuários que dependem do serviço.
Como funciona o esquema
Os “valeiros” concentram-se principalmente na Plataforma A da Rodoviária, onde embarcam passageiros com destino ao Paranoá, Itapoã e Ponte JK. Eles se aproveitam dos horários de pico, quando as filas estão maiores, e oferecem passagens a preços reduzidos. Em um dos casos observados pela reportagem, um “valeiro” ofereceu uma passagem de R$ 7,60 por R$ 7 para um homem e sua filha. O passageiro, que alegou estar com pressa para não perder o ônibus, acabou aceitando a oferta.
O esquema se baseia na compra de cartões de vale-transporte, estudantis e de gratuidades (como o Passe Livre Estudantil e o cartão do idoso) de terceiros, que são revendidos ilegalmente. Os criminosos lucram com a integração tarifária, que permite três embarques no intervalo de três horas com um único pagamento de R$ 5,50. Ao vender três passagens por R$ 5 cada, o “valeiro” obtém um lucro de R$ 9,50 por cartão.
Impacto financeiro e social
O prejuízo anual de R$ 162 milhões representa 6% do orçamento total do sistema de transporte público de Brasília, que é de aproximadamente R$ 2,7 bilhões. Esse montante deveria ser investido na ampliação da frota, melhoria da infraestrutura, aumento das linhas e campanhas de conscientização. No entanto, o desvio de recursos tem impactado diretamente a qualidade do serviço, resultando em ônibus lotados, poucas linhas e terminais com estrutura precária.
O secretário de Transporte e Mobilidade (Semob), Zeno José Andrade, destacou que a fraude afeta o equilíbrio financeiro do sistema. “Toda vez que se retira da receita, afeta o equilíbrio do sistema, porque o governo precisa pagar a operadora. Ou seja, deixamos de arrecadar para repor o valor”, explicou.
Combate às fraudes
Para combater o esquema, a Semob, em parceria com a Polícia Civil do DF e o BRB Mobilidade, tem realizado operações frequentes. No ano passado, seis pessoas foram presas em flagrante por venda ilegal de passagens, e 100 cartões foram apreendidos. Além disso, os titulares dos cartões envolvidos nas fraudes também são punidos com processos internos e bloqueio dos benefícios.
O delegado Henry Galdino, da Divisão de Fraudes da Corf, explicou que os criminosos agem de forma associada, informando uns aos outros sobre possíveis fiscalizações. “Uma vez mapeados, é deflagrada a operação e os suspeitos são presos em flagrante. As imagens são utilizadas para demonstrar a ação constante dos autores”, afirmou.
Tecnologia como solução
O secretário Zeno destacou a necessidade de investimentos em tecnologia para aprimorar a fiscalização. Atualmente, o sistema de biometria identifica possíveis fraudes ao comparar o rosto do usuário com o titular do cartão. No entanto, o processo de bloqueio leva em média 10 dias, período em que os “valeiros” continuam atuando.
“Precisamos melhorar a vigilância por câmeras dentro dos ônibus. Não há como combatermos sem investir em tecnologia. Com essas câmeras, eu consigo otimizar o tempo entre a detecção da fraude e o bloqueio do cartão”, ressaltou Zeno.
Consequências para os usuários
Enquanto os “valeiros” lucram milhões, os passageiros enfrentam as consequências diretas da fraude. Além de lidar com a precariedade do sistema, os usuários que vendem seus cartões correm o risco de perder o benefício. A regra é clara: os cartões só podem ser utilizados pelo titular, e o uso por terceiros é proibido.
O caso expõe a necessidade de uma ação coordenada entre o poder público, as empresas de transporte e a população para coibir a fraude e garantir que os recursos sejam aplicados em melhorias reais para o sistema de transporte público de Brasília. Enquanto isso, os “valeiros” continuam agindo às claras, desafiando a fiscalização e prejudicando milhares de cidadãos que dependem do transporte coletivo.
Na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, os ônibus do transporte público tem câmera junto as catracas que registram todos os passageiros que passagem pela catraca para evitar fraudes. Quando acontecer o uso por 3 vezes do cartão do transporte por outro pessoa, o usuário é chamado para comunicar o cancelamento do cartão por fraude.
Reportagem: Equipe do Correio Braziliense
Repórter: Darcianne Diogo