História e desenvolvimento do Gama: a cidade-satélite que cresceu junto a Brasília

Frank Barroso
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Setor Central do Gama, DF.

Desde o início da construção de Brasília, um dos principais desafios do projeto urbanístico da nova capital era lidar com a acomodação de milhares de trabalhadores que afluíam à região em busca de emprego. Essa realidade levou à criação das chamadas cidades-satélites, núcleos urbanos periféricos que surgiram para atender as necessidades habitacionais e de serviços dessas populações. Entre essas cidades, o Gama ocupa um lugar especial, não só por seu valor histórico, mas por ser um dos primeiros núcleos idealizados para apoiar o crescimento planejado do Distrito Federal.

A Origem do Gama: Terras de Antigas Fazendas

Localizada em terras das antigas fazendas Alagado, Ponte Alta, Ipê e Gama — todas originárias do município goiano de Luziânia — a cidade do Gama nasceu de um processo de desapropriação amigável entre o governo de Goiás e fazendeiros locais. Com essas terras destinadas à criação de um território urbano, Brasília não apenas se expandia, mas criava condições para sustentar um projeto habitacional que abrigasse a população excedente do Plano Piloto.

A cidade foi batizada em homenagem ao ribeirão Gama, que atravessa a região. O historiador Germides Reis sugere que o nome também homenageia um padre chamado Gama, que viveu na região de Luziânia nos tempos do ciclo do ouro, fato que marcou a identidade cultural da cidade até os dias atuais.

A Concepção Urbanística de Paulo Hungria

A cidade do Gama foi projetada pelo engenheiro Paulo Hungria, com contribuições do arquiteto Gladson da Rocha. Ao contrário de outras cidades-satélites, como Taguatinga e Sobradinho, o Gama foi idealizado com um layout hexagonal que, até hoje, remete à imagem de uma colmeia, tornando-se um símbolo distintivo da cidade. Essa configuração em setores visava à integração e à funcionalidade. São quatro setores residenciais principais — Norte, Sul, Leste e Oeste — além de um Setor Central para atividades comerciais e bancárias.

A decisão de construir a cidade oito quilômetros distante da sede original da Fazenda Gama foi estratégica, proporcionando uma vista panorâmica privilegiada e distância de cerca de 44 km do Plano Piloto. Esse distanciamento, porém, não impediu que a cidade se integrasse plenamente ao projeto de Brasília, contribuindo com o processo de descentralização da capital.

Inauguração e Primeiros Moradores

A cidade do Gama foi oficialmente inaugurada em 12 de outubro de 1960, mas alguns historiadores apontam o dia 8 de outubro como o verdadeiro início da história do Gama, data em que o então prefeito de Brasília, Israel Pinheiro, inspecionou as primeiras construções e afirmou: “Vocês estão vendo nascer a cidade do Gama. O dia 8 de outubro será o primeiro da história desta cidade.” Essa declaração foi publicada em destaque pelo jornal Correio Braziliense no dia seguinte, marcando oficialmente o nascimento da cidade.

As primeiras famílias a habitar o Gama eram trabalhadores envolvidos na construção de Brasília, incluindo operários da Barragem do Paranoá e moradores remanejados de acampamentos como Vila Amaury, Vila IAPI e Vila Planalto. Muitos desses pioneiros se estabeleceram nas Quadras 15, 18, 21 e 22, construídas pelas empreiteiras Juber, Americana e Itamaracá, que garantiram casas de alvenaria para as novas famílias.

O Crescimento Populacional e Desafios na Década de 70

Ao longo das décadas seguintes, o Gama continuou a se expandir, embora a uma taxa de crescimento mais lenta que outras cidades-satélites. Na década de 70, novos núcleos habitacionais surgiram ao redor do Gama, incluindo cidades como Cidade Ocidental, Valparaíso e Novo Gama, todas no município de Luziânia. Essa expansão, somada à distância do Gama em relação ao Plano Piloto, influenciou no ritmo de crescimento da cidade.

Em 2022 (Censo, IBGE), a população do Gama subiu para 139.467 habitantes, representando cerca de 8,51% da população do Distrito Federal. Em 1996, o número era de 121.621 devido ao desmembramento das Regiões Administrativas de Santa Maria e Recanto das Emas. Esse fenômeno de migração populacional interna dentro do Distrito Federal foi uma consequência do surgimento de novas áreas urbanas e de novas ofertas habitacionais nas proximidades.

Infraestrutura e Organização Administrativa

Durante os primeiros anos de existência, o Gama era administrado pelo Departamento de Organização Administrativa Municipal (DOAM), ligado à NOVACAP, que gerenciava questões urbanísticas e sociais. Com a reestruturação administrativa do Distrito Federal em 1964, o DOAM foi substituído pela figura das Regiões Administrativas, e o cargo de Subprefeito passou a ser chamado de Administrador Regional, fortalecendo a estrutura governamental do Gama e dando-lhe maior autonomia para resolver problemas locais.

Essa autonomia administrativa permitiu que o Gama desenvolvesse uma infraestrutura mais robusta, incluindo escolas, centros de saúde e espaços culturais. A cidade também conta com um hospital regional, o Hospital Regional do Gama, que é uma das principais referências de atendimento médico no Distrito Federal.

Patrimônio Histórico e Identidade Cultural

Ao longo dos anos, o Gama preservou não apenas sua importância estratégica dentro do Distrito Federal, mas também seu valor cultural e histórico. A cidade guarda vestígios de sua formação e dos primeiros habitantes que ajudaram a erguer Brasília, e muitos dos edifícios históricos, como o Country Club e as antigas casas de tijolos de barro, resistem ao tempo e ajudam a contar a história da cidade.

Além disso, o Gama tem se destacado como um polo cultural. A cidade possui centros culturais e associações artísticas que promovem eventos e atividades para os moradores. Um exemplo é o tradicional evento FestGama, que comemora o aniversário da cidade com shows e atividades voltadas para a comunidade, reunindo desde músicos locais a grandes artistas nacionais.

Um Olhar para o Futuro

Apesar de algumas adversidades, o Gama permanece como um símbolo da trajetória histórica e do espírito pioneiro que marcou a construção de Brasília. Sua população, que já enfrentou altos e baixos, ainda mantém forte o senso de pertencimento e o orgulho de fazer parte da região. Nos últimos anos, a cidade tem se transformado em um importante núcleo urbano com um estilo de vida que mescla a tranquilidade do interior com as oportunidades oferecidas pelo Distrito Federal.

A cidade do Gama, com sua arquitetura distinta, suas tradições e seu legado cultural, é mais do que uma cidade-satélite. É uma parte fundamental da história de Brasília e continua a ser um espaço de convivência e desenvolvimento. Com o crescimento planejado e investimentos em infraestrutura, o Gama busca não só preservar sua história, mas também abraçar o futuro, promovendo qualidade de vida e desenvolvimento para seus moradores.

Essa trajetória demonstra que, embora o Gama possa ter surgido como uma solução habitacional, ele se tornou um verdadeiro lar para milhares de pessoas, contribuindo para o desenvolvimento social, cultural e econômico do Distrito Federal. Com um olhar atento para as demandas e oportunidades de desenvolvimento, a cidade continua a construir seu futuro, mantendo viva a essência de sua fundação e o espírito comunitário que a acompanha há mais de seis décadas.

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Bacharel em geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU); jornalista profissional desde 1987, web design há mais de 20 anos. gestor social, líder comunitário, ecologista. Frank é pesquisador na área de planejamento urbano, mobilidade sustentável e geomarketing.